O 29M, como foi denominado o movimento do dia 29 de maio, foi emblemático sob vários aspectos, dentre eles o comunicacional. A representação midiática do episódio e seus desdobramentos ilustram um complexo processo de transformação das relações de poder, com impacto significativo na esfera pública.

Essa mudança em curso não é de hoje, mas pode passar despercebida, porque a comunicação parece tão natural quanto o oxigênio que respiramos: só costumamos nos dar conta ou quando nos falta ou quando enchemos nossos pulmões de ar puro. Foi o que, em alguma medida, o 29M evidenciou, a partir de um ecossistema midiático híbrido, composto pela imprensa tradicional e pelo mundo das redes sociais e mídias digitais.

Antes, um parêntese conceitual. Um fato só deve se transformar em notícia quando atende a critérios daquilo que a teoria do jornalismo chama de valor-notícia, os quais devem nortear processos de tomada de decisão guiados pelo interesse público. Quando o resultado desse processo não vai parar nas manchetes, é porque outros interesses falaram mais alto. Fecha-se parêntese.

Qualquer manual de jornalismo atestaria o valor-notícia do 29M, ainda mais com episódios de arbítrio policial. No entanto, o que se viu foi uma quase invisibilidade dos protestos em jornais que se denominam de circulação nacional ou coberturas que mais destacaram a aglomeração do que a truculência da PM no Recife. Observou-se uma relativização de critérios básicos de noticiabilidade – em O Globo e no Estadão, especialmente – e, com isso, o direito à informação foi negligenciado.

Mesmo assim, aqueles fatos viraram notícia com ampla repercussão, ou por conta do trabalho de jornalistas comprometidos com o interesse público ou pela pressão de novos fluxos comunicacionais baseados em tecnologias da informação e da comunicação (TICs). Da janela de suas casas ou do próprio protesto, pessoas capturaram e difundiram imagens sob os mais distintos ângulos e, dessa forma, exerceram seu direito à comunicação.

Esse conteúdo alimentou a mídia tradicional e as redes sociais, conferiu maior transparência ao ocorrido e serviu como instrumento de fiscalização e controle da ação estatal. O 29M demonstrou na prática o que a teoria política prevê: com diversidade de fontes de informação e direito à comunicação, democracias respiram mais aliviadas.

Juliano Domingues, coordenador da Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco.