Como o ataque à imprensa serve a projetos de viés autoritário, a violência contra jornalistas é um importante marcador para saber a quantas anda a saúde de uma democracia: quanto mais ocorrências, mais frágil democraticamente tende a ser o país analisado. Nesse quesito, a situação do Brasil não é nada boa.

A Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa em 2020 (Repórteres Sem Fronteiras) nos coloca em 107º lugar em uma lista de 180 países liderada pela Noruega. Caímos duas posições em relação a 2019 e continuamos distantes do vizinho mais bem classificado, o Uruguai (19º). Isso se deve aos 580 casos de hostilidade à imprensa registrados ano passado, com perfil delimitado em termos de autoria, ambiente e viés sexista: 85% das agressões foram realizadas pelo presidente Jair Bolsonaro (19%) e seus filhos (66%), sobretudo pelo Twitter (408), sendo mulheres jornalistas o alvo preferencial.

O Relatório da Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil 2020 (Fenaj) apresenta cenário semelhante, com destaque ao expressivo aumento desse tipo de registro. Em 2018, foram 135 ataques a veículos de comunicação e a jornalistas; em 2019, 208 e, em 2020, 428 ocorrências, sendo Bolsonaro o responsável por 40,89% delas. O documento relata, ainda, 76 casos de censura na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e mais nove em outros veículos, bem como o aumento de 280% nos registros de agressões a jornalistas por apoiadores do presidente nas ruas e nas redes sociais.

Essa violência está inserida em um contexto mais amplo da chamada “crise da democracia”, termo no qual costuma estar implícito o adjetivo “liberal”. Dela emergem governos já classificados pela literatura mais recente, de Adam Przeworski a Wendy Brown, como de viés populista antidemocrático, ou iliberais, guiados por um niilismo do qual não escapam as liberdades de expressão e de imprensa. O Brasil tem se consolidado como mais um ponto dessa curva.

Frágeis democracias apresentam uma série de disfunções capazes de comprometer a liberdade de informação jornalística e, portanto, o chamado “mercado de ideias”, como agressões a comunicadores e a veículos de imprensa. Governantes podem incentivá-las ou coibi-las e, assim, decidir por fortalecer ou fragilizar o sistema democrático do seu país. Quanto a isso, parece não haver dúvidas sobre o caminho adotado pelo Brasil de Bolsonaro.

Juliano Domingues, jornalista, é doutor em Ciência Política e professor da Unicap.