Juliano Domingues
Izabela Domingues

Dizem que futebol é muito mais do que um jogo. O lançamento da camisa preta do Clube Náutico Capibaribe, semana passada, demonstra que isso não é força de expressão. O esporte pode ser, também, reparação histórica e afirmação de direitos civis.

O Náutico abriu mão das suas cores e apresentou uma inédita camisa preta com a frase “vidas negras importam” impressa ao lado do escudo em uma campanha protagonizada por seu ex-goleiro Nilson, um ídolo negro e vítima de injúria racial no passado. O time vestiu o padrão em jogo do Campeonato Brasileiro e na camisa de cada atleta havia o nome de ex-jogadores negros do clube. A ação foi um sucesso absoluto. O primeiro lote esgotou-se em duas horas e a postagem do vídeo promocional do lançamento no Twitter havia obtido, em uma semana, 1,9 milhão de visualizações.

A iniciativa indicou um alinhamento entre as estratégias de comunicação do clube e uma tendência mundial. Crenças e valores atrelados a produtos são um ativo econômico por vezes mais valiosos do que o lucro obtido com a comercialização do objeto ou serviço em si. Isso é resultado de um processo histórico-social de disputa pela gradual ampliação da garantia de direitos civis e políticos com reflexo profundo nos hábitos dos consumidores. No chamado “capitalismo de propósito”, o cliente compra o produto, mas sobretudo o que ele representa em termos simbólicos.

A sociedade passa a cobrar uma postura ética clara de marcas e organizações. As escolhas do consumidor vão além da responsabilidade socioambiental e atingem a dimensão política relativa à garantia de direitos civis e ao respeito a princípios liberais clássicos, como tolerância e inclusão. Indivíduos interconectados em escala adotam práticas de ação política por meio do consumo de ativismo e do consumerismo político crescente. Assim, pressionam marcas e organizações a adotar posicionamento como parte da sua estratégia de negócio, de modo que hesitar ou caminhar na contramão dessa história pode custar reputação e, consequentemente, dinheiro.

Não se trata “apenas”, portanto, de mais uma camisa de time. Ao comprar um padrão preto que representa o combate ao racismo, a torcida do Náutico demonstra a si mesmo e aos outros a adesão a uma causa. É o consumo como afirmação de valores e ato de cidadania. Muito mais do que futebol, é uma forma de ser e de estar no mundo.

Juliano Domingues é professor da Unicap e Izabela Domingues é professora da UFPE.