O voto impresso foi derrotado enquanto procedimento, mas não como estratégia de comunicação política. O discurso de seus defensores para sustentá-lo possui características exemplares de manipulação da opinião pública e, por isso, deve resistir e seduzir por um bom tempo.

A campanha do “voto impresso auditável” foi de outdoors e adesivos em veículos a projeto de emenda à Constituição (PEC 135/2019), pautou o debate público e motivou protestos de rua. É, portanto, um caso de sucesso em termos comunicacionais. Por isso, o “espírito” da proposta rejeitada e arquivada na Câmara dos Deputados deve continuar a rondar a política nacional.

Estratégias discursivas voltadas a influenciar o outro a agir têm um componente manipulador. Isso, em si, não é um problema. O aspecto pejorativo associado à estratégia da manipulação se deve ao uso de elementos específicos voltados à captura da opinião, em uma espécie de jogo de falsas aparências. Nele, o manipulador esconde suas intenções, enquanto o manipulado as ignora e se deixa levar, sem que haja espaço para reflexão crítica a respeito do tema em questão.

As ações adotadas para propagar a tese do voto impresso como antídoto para eleições fraudulentas seguem preceitos básicos dessa cartilha, com o intuito de persuadir o eleitorado. Nesses casos, as reais intenções do manipulador não são explicitadas, mas veladas ou apresentadas sob disfarces capazes de fazê-las parecer benéficas ao interlocutor. Exemplo disso são afirmações como “Essa não é a PEC do presidente Bolsonaro, essa não é a minha PEC, essa é a PEC de brasileiros que querem transparência e segurança nas eleições”.

O emissor assume, ainda, uma posição de autoridade para legitimar seu projeto e impressionar o receptor, como em falas do tipo “Eu fui eleito no 1º turno. Eu tenho provas materiais disso”. Ele também interdita opiniões divergentes com ameaças e dramatiza o discurso para atemorizar a audiência, como nas declarações “Sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição” ou, ainda, “Se esse método continuar aí, sem a contagem pública, eles vão ter problemas”.

O sucesso da campanha “voto impresso auditável”, apesar da derrota institucional, deve-se, em grande medida, ao uso de elementos próprios de manipulação da opinião pública. As reais intenções nem são assim tão veladas, mas o jogo da manipulação continua. Cai quem quer.

Juliano Domingues, cientista político, coordenador da Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação da Unicap.
Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 15 de agosto de 2021.