Duas chaves-analíticas são essenciais para a abrir a caixa-preta da opinião pública no cenário político do Brasil atual: religião e renda. Elas indicam caminhos para compreender comportamentos políticos e eleitorais, em especial em relação ao presidente Jair Bolsonaro e aos seus opositores.

Levantamento da Quaest/Genial de agosto indica que a avaliação positiva do presidente só ganha para a negativa entre aqueles com mais de cinco salários mínimos. Nesse grupo, 41% classificam o governo como positivo, enquanto 36% o consideram negativo. Esse entendimento só se repete entre evangélicos: 36% o avaliam como positivo; e 32%, como negativo. A percepção negativa, porém, prevalece com folga em todas as demais faixas ou quando o recorte é escolaridade ou sexo.

Pesquisa do PoderData, também de agosto, demonstrou o peso da variável econômica e alimentou a associação entre ela e um possível comportamento eleitoral, com Lula à frente em todas as faixas etárias e de escolaridade. Mas quando o recorte é por renda, Bolsonaro leva a melhor entre os de maior poder aquisitivo, tanto no grupo entre cinco e 10 salários mínimos (36% a 27%), quando no patamar acima de 10 salários mínimos (26% a 22%).

Levantamento da Atlas/Valor Econômico do mês passado mostra que somente entre evangélicos há uma maioria que aposta na honestidade de Bolsonaro na compra de vacinas: 52%. Nem os mais ricos são tão crentes assim: entre aqueles do grupo acima de 10 salários mínimos, 58% afirmam acreditar no envolvimento do presidente em corrupção e 59% dizem crer que Bolsonaro acoberta aliados e membros do governo em práticas ilegais.

A fidelidade dos evangélicos é também destaque na investigação qualitativa “Bolsonarismo no Brasil” (IESP-UERJ) recentemente divulgada. Em relação ao embate entre Bolsonaro e governadores, por exemplo, eles tendem a responsabilizar o governo estadual, municipal ou empresários pela sua situação socioeconômica, como a piora da renda e o aumento da inflação, enquanto defendem o governo federal.

As variáveis religião e renda antecedem escolhas eleitorais e, por isso, é preciso observá-las e compreender seu comportamento. Elas revelam sistemas de crenças e valores e, portanto, são chaves-analíticas indispensáveis à compreensão da conjuntura política atual, para além do “quem lidera a corrida”.

Juliano Domingues, professor e pesquisador, coordena a Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)
Texto publicado no Jornal do Commercio em 29 de agosto de 2021.