Juliano Domingues

A tristeza alheia tende a nos deixar cabisbaixos, da mesma forma que a felicidade do outro ainda costuma ser motivo de satisfação para nós mesmos, para a sorte da humanidade. Daí os sentimentos de piedade, compaixão e empatia que fazem do altruísta uma espécie de egoísta do bem, por mais contraditório que isso possa parecer.

A pandemia do coronavírus tem oferecido a oportunidade de exercitarmos essa capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, o que pode ser medido em números. Nunca o brasileiro doou tanto quanto agora, conforme indica o Monitor das Doações da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR). Mais de 478 mil pessoas já doaram R$ 6.043.066.147 para ações de combate aos efeitos da pandemia e, a cada dia, uma média de 15 mil pessoas adere a esse movimento de solidariedade interpessoal.

Há muito, os grupos mais vulneráveis socialmente superam dificuldades com solidariedade, o que tem se confirmado no atual contexto. Durante a pandemia, 63% dos moradores de favela fizeram alguma doação, percentual bem maior se comparado ao da população brasileira em geral (49%). Esse número foi levantado pela pesquisa “Pandemia na Favela – A realidade de 14 milhões de favelados no combate ao novo Coronavírus”, investigação realizada pelo Data Favela em uma parceria entre o Instituto Locomotiva, Central Única das Favelas (CUFA) e Favela Holding.

O sentimento de solidariedade interpessoal compartilhado de modo mais amplo e intenso nos últimos meses pode continuar a permear as nossas relações sociais. Não se trata apenas de expectativa, mas de hipótese com base em algumas evidências animadoras. Pesquisa Datafolha aponta, por exemplo, que 49% dos 56% dos paulistanos que doaram alimentos ou produtos de higiene na pandemia dizem que vão manter esse hábito mesmo após a covid 19. Tudo indica, aliás, que ele será ainda mais necessário para enfrentarmos o agravamento das múltiplas crises provocadas pela pandemia.

Para sorte da humanidade, a regra segundo a qual hábitos adquiridos tendem a se perpetuar no tempo vale também para as boas práticas. Uma vez compartilhados, sentimentos nobres como piedade, empatia e compaixão reforçam laços sociais e encontram no ambiente adverso da pandemia a chance exemplar de se transformarem em ações capazes de fomentar coesão social e sentimento de coletividade. Essa oportunidade não pode ser desperdiçada.

Juliano Domingues é professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 16 de agosto de 2020.