Juliano Domingues

O democrata Tony é vendedor em um loja de telefonia em Cuyahoga Falls, Ohio. Ao comentar sobre política, sorri constrangido. “Hillary não é a melhor alternativa, mas ao menos tem experiência”. O estudante Alex evidencia que o desconforto também é republicano. “Não é fácil acreditar no que Trump diz. Mas, fazer o quê?”.

Em um contexto de ampla insatisfação com a política, o chamado “voto negativo” ganha força. Nesses casos, a lógica da participação sofre uma releitura. Vota-se não para escolher o governante, mas para impedir que um adversário maior chegue ao poder. O cálculo é racional: parte-se do pressuposto de que o cenário pode ser ainda pior e, diante disso, opta-se não pelo “melhor”, mas pelo “menos ruim”. A ideia é de “redução de danos”.

Há evidências que indicam o aumento do fenômeno do voto negativo nos EUA. Pesquisa realizada pelo Pew Research Centre divulgada recentementeperguntou aos eleitores: “Você diria que sua escolha é a favor ou contra um candidato?”. Entre republicanos, 53% responderam que votariam contraHillary e 44% afirmaram que votariam a favorde Trump. Entre os democratas, 46% declararam que votariam contraTrump e 53%, a favor de Hillary.

Entre 2008 e 2016, a confiança foi corroída e o cenário se deteriorou. Naquele ano, 35% dos republicanos afirmaram que votariam contraObama e 59%, a favorde McCain. Entre os democratas, 25% responderam que votariam contra McCain, ao passo que 68% se declararam a favor de Obama. Se comparados os percentuais, percebe-se o óbvio: o eleitor dos Estados Unidos já esteve mais bem servido em termos de candidatos à Casa Branca.

O atual quadro levou o Ray C. Bliss Institute of Applied Politics, na Universidade de Akron, a classificar essas eleições como a “mais incomum campanha presidencial na história moderna da América”. Convidado para uma palestra no instituto na última quarta-feira (12), Mark Weaver, estrategista dos republicanos, lamentou: “estamos vivendo um dos piores momentos da nossa história, talvez o pior. Nós somos bem melhores do que isso”.

O voto negativo indica que o desempenho dos candidatos é, em grande medida, fruto não de mérito próprio, mas resultado do demérito do adversário. E isso é motivo suficiente para um desconforto generalizado.

Juliano Domingues é fellow do Ray C. Bliss Institute of Applied Politics, na University of Akron (EUA).

Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 16 de outubro de 2016.