Juliano Domingues

O debate sobre democracia pode soar por vezes abstrato, com seus conceitos e teorias intangíveis por natureza. Eis que a realidade se impõe com fatos e ilustra aquilo que parecia evidente somente aos especialistas da área, como a corrosão da liberdade essencial a democracias.

Em uma cerimônia de formatura de Jornalismo da Unisinos, em São Leopoldo (RS), o paraninfo discursou entre vaias e agressões verbais vindas de convidados de alunos, até sair escoltado sob ameaça de agressão física por parte da plateia. No dia seguinte, 08 de março, a Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ) publicou uma nota em apoio ao professor Felipe Boff: “(…) A violência por que passou Felipe é preocupante, não apenas por se tratar de um ataque à liberdade de expressão, garantida pela Constituição Federal e base de qualquer sociedade democrática, mas por ter sido realizada no contexto de colação de grau de uma Universidade. Isto lembra do nosso compromisso como docentes de Jornalismo, para aprofundarmos os debates em sala, em nossos projetos de pesquisa e extensão, sobre a importância da profissão como guardiã de um estado democrático, justo e igualitário, livre de coações de qualquer natureza, seja de personalidades públicas ou de alguns desinformados. (…)”

O relatório “Violações à Liberdade de Expressão”, divulgado pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) na quarta-feira (11), demonstra não ser esse um caso isolado. Em 2019, 78 profissionais de imprensa foram vítimas de violência presencial. Nas redes sociais, foi contabilizada uma média de 11 mil agressões por dia, das quais 1,9 mil de perfis considerados de esquerda. O presidente Jair Bolsonaro atacou o trabalho da imprensa e jornalistas em 432 postagens, que repercutiram em 51 milhões de interações, entre compartilhamentos, curtidas, comentários e retuítes. Isso representa 7% das interações do presidente da República no ano passado.

A fala do professor Felipe Boff tinha como alvo Bolsonaro e sua relação com a imprensa. O discurso estava, pois, assentado em evidências, assim como a previsível reação da plateia. São Leopoldo e os dados da Abert ilustram empiricamente ataques à liberdade de expressão e de imprensa, em um contexto que a teoria política classifica como fragilidade democrática. E isso não tem nada de abstrato. É real.

Juliano Domingues é professor da Unicap e diretor da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ).

Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 15 de março de 2020.